O Concílio Vaticano II: A primavera na Igreja | ||
Dom Luiz Demétrio Valentini
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Nesta quinta-feira, 11, o papa Bento XVI abriu solenemente o Ano da Fé,
que se estende até novembro de 2013, marcando os 50 anos de abertura do Concílio
Ecumênico Vaticano II. Confira a reflexão de Dom Luiz Demétrio Valentini a
seguir.
Em suas homilias, com muita insistência, o papa João XXIII comparava o
Concílio a uma nova primavera, que suscitaria profunda renovação na vida da
Igreja. Ele enfatizava o elemento-surpresa, para ressaltar a intervenção do
Espírito Santo na própria ideia de convocar um concílio. Esta convicção se
fortalecia na rápida e entusiasta adesão à proposta do papa de realizar um
concílio ecumênico para o nosso tempo.
Depois de 50 anos, é possível, e conveniente, olhar os fatos agora e
encontrar razões históricas que ajudem a entender como o Concílio se tornou
viável. Na verdade, ele se constituiu numa grande surpresa, que se explica à luz
de intensas iniciativas eclesiais, que vinham dando consistência e vigor à
caminhada da Igreja desde o fim do século 19, culminando com o pontificado de
Pio XII.
A referência a Pio XII torna-se indispensável para evocar o contexto eclesial
que precedeu o Vaticano II. Desde o início do seu pontificado, em 1939, ele
conduziu com muita firmeza todos os assuntos da Igreja. Sua excepcional
capacidade intelectual lhe permitia abordar pessoalmente as mais variadas
temáticas, com lucidez teológica e com firmeza disciplinar. De tal modo que, ao
terminar seu mandato, em 1958, deixava a Igreja atualizada e em ordem,
principalmente do ponto de vista disciplinar e teológico. Ninguém podia imaginar
que estivesse às vésperas de uma convocação conciliar.
Como a história antiga se refere ao contexto do Império Romano por ocasião do
nascimento de Cristo, dizendo que o Império estava “toto orbe in pace composito”
– “estando em paz o mundo todo”, assim se podia dizer do estado da Igreja
deixado por Pio XII: “tota ecclesia in ordine composita”.
A proposta
Pio XII tinha deixado a Igreja em completa ordem. Parecia não haver nenhuma
necessidade de concílio. O contraste de personalidades ajuda a compreender a
diferença de procedimentos. Cauteloso e precavido, Pio XII tinha nomeado uma
“comissão secreta” para estudar a viabilidade de um concílio. Ao passo que João
XXIII teve a ideia, e, na primeira oportunidade, propôs para toda a Igreja, que
prontamente a acatou, desencadeando um processo que logo se tornou
irreversível.
Mas a rapidez da adesão não se deveu só à simpatia de João XXIII. Havia
caudais subterrâneos na Igreja, que aguardavam a oportunidade de emergir e
mostrar sua força. O anúncio de um concílio, com a abertura proposta por João
XXIII, constituiu-se em ocasião propícia para muitas iniciativas eclesiais se
firmarem, expressando seus valores, e se inserirem na renovação eclesial,
proposta pelo Concílio.
Assim, bem ao contrário de parecer estranho à conjuntura eclesial, o Concílio
se tornou um vasto estuário, que podia recolher a grande riqueza teológica,
litúrgica, bíblica, espiritual e pastoral que a Igreja tinha cultivado ao longo
do seu último século.
O Concílio Vaticano II não foi, em absoluto, uma ruptura na caminhada da Igreja. Mas uma excepcional oportunidade de valorização dos preciosos aportes dos diversos movimentos eclesiais que precederam o Concílio, sem os quais ele não se entenderia.
Entre eles, os movimentos litúrgico, bíblico e ecumênico, a ação católica e o
Movimento por um Mundo Melhor, liderado pelo padre Lombardi, que identificou
rapidamente no Concílio a realização mais ampla de todos os seus anseios de
renovação eclesial.
A descoberta
Convocado o Concílio, a Igreja se deu conta da riqueza que tinha acumulado,
em forma de propostas pastorais, de valores a serem assumidos e partilhados, de
energias que se traduziam em prontidão generosa e contagiava o povo de Deus, que
se mostrava alegre e feliz por ver que se abriam as portas de uma renovação em
profundidade de toda a Igreja.
Porém, sobretudo, a Igreja pôde dispor da riqueza inestimável de peritos em
todas as áreas. Eles foram convocados para colaborar na realização do Concílio.
Colocaram generosamente seus talentos a serviço dos grandes temas que tal
iniciativa ia abordando. Sem saber, a Igreja tinha se preparado longamente para
a ocasião. Esta é a verdade que agora devemos reconhecer com mais evidência e
lucidez. Cada um dos movimentos deixou marcas evidentes, tanto na preparação do
Concílio, como na redação dos seus documentos. O litúrgico foi o primeiro a
mostrar sua contribuição, com seu caudal de pesquisas feitas em diversos
mosteiros, sobretudo da França e da Bélgica. Este movimento já tinha sido
valorizado por Pio XII na encíclica Mediator Dei, de 1947. E tinha produzido a
restauração da Semana Santa em 1955, que se constitui em preâmbulo histórico da
grande renovação litúrgica proposta pelo Concílio.
O movimento bíblico já tinha contado com a encíclica Divino Afflante Spiritu,
de 1943, na qual, Pio XII recolheu os últimos avanços das pesquisas bíblicas.
Por sua vez, os estudos bíblicos tinham aproximado teólogos católicos e
protestantes, fortalecendo o movimento ecumênico, que propiciou a presença de
numerosos observadores de outras Igrejas, com o influxo positivo que este fato
proporcionou ao Concílio.
A Ação Católica, nascida na Bélgica, mas assumida com entusiasmo ainda no
pontificado de Pio XI, propiciou o envolvimento dos leigos, que antecederam na
prática à grande afirmação conciliar da visão de Igreja como “povo de Deus”.
Tudo isso mostra como o Concílio pôde ter sido, sim, uma primavera
surpreendente, mas não foi um fruto temporão. Ele resultou da rica caminhada da
Igreja, que ele acolheu, aprofundou e consolidou.
O Concílio Vaticano II precisa ser visto como integrante da vida da Igreja,
tanto na sua preparação, como na sua realização, e agora na implementação de
propostas de renovação eclesial. Assim ele mostra uma permanente validade.
* Dom Luiz Demétrio Valentini é bispo de Jales (SP). Participou da 4a
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Santo Domingo (República
Dominicana), em 1992; do Sínodo Especial da América, em 1997; e da 5a
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, na cidade de
Aparecida (SP), em 2007.
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segunda-feira, 15 de outubro de 2012
50 anos do Vaticano II
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