sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Dom da Terra e Aliança com Deus: relação a partir do livro de Josué

Estamos concluindo o mês de setembro, no qual comemoramos o mês da Bíblia. A temática abordada neste período foi extraída do livro de Josué. Para melhor conhecermos este livro, trazemos aqui a relação estabelecida entre a terra, compreendida como dom de Deus garantido a partir da fidelidade do povo à Aliança com o Deus criador. Como será que esta fidelidade à Aliança com Deus poderia nos ajudar a combater as injustiças que presenciamos nos dias atuais? 
No livro de Josué, em seu discurso final e na organização da confederação das tribos, fica claro que não basta ter a Terra, mas é importante mantê-la por meio da fidelidade à Aliança estabelecida com Deus. Para isso, as relações devem ser fundamentadas no amor, na justiça, na igualdade, na fraternidade e, sobretudo, na solidariedade para com o sofrimento do irmão e da irmã. Essa unificação só será possível ao pronunciarem a fé (Js 24) e permanecerem unidos ao redor do Senhor, Deus de Israel. Assim, Js não tem o escopo de fornecer dados históricos sobre a ocupação da terra, mas seu objetivo é catequético, é teológico. 

O tema da terra é importante para nós, justamente nesse tempo no qual comemoramos os 200 anos da independência do Brasil, e também nessa realidade pós-pandêmica, se já podemos dizer assim, na qual muitos irmãos perderam suas casas, suas terras, por falta de condições de continuar pagando aluguel; por falta de políticas econômicas que ajudassem os pequenos produtores; pela morte daqueles que sustentavam a família com seu trabalho ou com sua aposentadoria e por tantos fatores que foram agravados pela pandemia. Essa temática nos remete à encíclica Laudato Si’, quando o Papa Francisco nos recorda: “hoje crentes e não crentes estão de acordo que a terra é, essencialmente, uma herança comum cujos frutos devem beneficiar a todos”.[1] Essa visão é complementada pela Carta Encíclica Fratelli tutti, ao afirmar: “nos primeiros séculos da fé cristã, vários sábios desenvolveram um sentido universal em sua reflexão sobre o destino comum dos bens criados. 

 Isso levou a pensar que, se alguém não tem o necessário para viver com dignidade, é porque outrem está se apropriando do que lhe é devido”.[2] O papa também recorda o que escrevia João Paulo II: “Deus deu a terra a todo o gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém”.[3] Talvez uma forma de aprofundar esse livro é a de refletir sobre a problemática da terra, um tema tão forte em nosso país. Por outro lado, o estudo desse livro nos recorda que é fácil acusar Deus por nossos problemas, nossos fracassos, o desafio é o de viver em “contínua conversão” e recomeçar, após a tomada de consciência de nossas infidelidades. 

 Irmã Zuleica Silvano, fsp 

 Referências: 

[1] FRANCISCO, Papa. Carta encíclica Laudato Si’: sobre o cuidado da Casa Comum. São Paulo: Paulinas, 2015. n. 93. 

[2] FRANCISCO, Carta encíclica Fratelli tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. São Paulo: Paulinas, 2020. n. 119. 

[3] SÃO JOÃO PAULO II, Papa. Carta encíclica Centesimus Annus: no centenário da Rerum Novarum. 7.ed. São Paulo: Paulinas 2008. n. 31. (Voz do Papa, 126); e FRANCISCO, Carta encíclica Fratelli tutti, n. 120.

domingo, 18 de setembro de 2022

Mês da Bíblia 2022: Livro de Josué – “O Senhor teu Deus está contigo por onde quer que andes” (Js 1, 9)

 



O Mês da Bíblia teve início no Brasil há mais de 50 anos e é uma atividade que ocorre todos os anos, com o objetivo de estudar um tema ou um determinado livro bíblico. O Mês da Bíblia deste ano, realizado agora em setembro, tem como tema o Livro de Josué, que foi escolhido pela CNBB com as demais instituições bíblicas. A motivação para essa escolha foi a comemoração do bicentenário da Independência do Brasil e o fato de este ser um ano de eleição. Esses eventos estão em sintonia com dois dos principais temas do Livro de Josué: a terra e o papel fundamental das lideranças.

 

Josué é o livro que narra a entrada na Terra Prometida, após a libertação da escravidão no Egito e a longa travessia pelo deserto. Esse livro não tem a pretensão de oferecer dados históricos ou baseados na Arqueologia, mas de confirmar a presença de Deus em toda a história.

 

De acordo com a irmã Zuleica Silvano, fsp, biblista do Serviço de Animação Bíblica da Paulinas (SAB) e uma das organizadoras da obra, o Livro de Josué teve um longo período de redação; provavelmente, surgiu no reinado de Josias, mas recebeu influência do período exílico e pós-exílico. O protagonista do livro, Josué, é apresentado como um modelo de líder, servindo como paradigma para as grandes lideranças da terra de Israel. Por isso, é semelhante a Moisés, dado que será seu sucessor, e ao rei Josias, considerado um rei fiel pela tradição deuteronomista.

 

Josué é capaz de unificar o povo, não por causa de sua força guerreira ou de suas capacidades bélicas, mas por confiar nas promessas de Deus e ser obediente à sua vontade. A pergunta que perpassa esse livro, se considerarmos a sua compilação no pós-exílio, é: por que perdemos a Terra Prometida para os assírios e babilônicos? Será que os outros deuses são mais potentes do que o Deus de Israel? Será que Deus nos abandonou? O autor ou os autores da tradição deuteronomista respondem de forma negativa essas duas últimas questões e reafirmam a fidelidade divina, que cumpriu sua promessa ao conceder a terra ao povo eleito, como prometera aos patriarcas e matriarcas. No entanto, conforme a Aliança firmada com Deus, para permanecer na terra, eram necessárias a fidelidade do povo e a observância aos mandamentos por parte de suas lideranças. Infelizmente, isso não ocorreu, por isso perderam a terra. De fato, o Livro de Josué ajuda o povo a tomar consciência de sua infidelidade, não para ficar se lamentando, mas para retomar a Aliança, e o anima nessa fase de reestruturação, após o exílio babilônico.

 

Tudo isso está presente na obra que lançamos: Livro de Josué – Nós serviremos ao Senhor, escrita por vários autores, biblista e professores das diversas faculdades de Teologia do Brasil. Esse livro estrutura-se em três partes. Na primeira, há uma introdução ao Livro de Josué, na qual são fornecidas informações sobre quem é Josué, quando e onde esse livro foi escrito, suas características teológicas principais, e são oferecidas chaves de leitura, dado que a pretensão desse livro não é apresentar dados arqueológicos ou historiográficos, como já mencionado, e sim ser uma catequese, para fortalecer a fé do povo. Mas, se é uma catequese, como foram as origens de Israel? Para responder a essa pergunta, dedicamos um artigo que sintetiza as várias hipóteses dessa origem, sendo ainda uma questão aberta. A segunda parte da obra lançada por Paulinas tem como escopo abordar teologicamente aspectos importantes presentes no Livro de Josué, como: a questão da terra; o ser povo, e não tribos isoladas; a Teologia da Aliança e da Retribuição; a face guerreira e violenta de Deus, que perpassa todo o Livro de Josué. Na terceira parte, analisamos exegeticamente alguns textos mais conhecidos, como a derrubada das muralhas de Jericó, ou seja, a narração de uma grande liturgia no início da ocupação da Terra Prometida; o papel fundamental da cananeia Raab, uma mulher prostituída, responsável pela sua família, que colabora na tomada da cidade de Jericó, citada nos textos rabínicos e elogiada no Antigo e no Novo Testamentos, sendo mencionada na genealogia de Jesus no Evangelho segundo Mateus. Por fim, estudamos mais de perto o discurso de despedida de Josué, nos capítulos 23 e 24, quando as tribos se reúnem e reafirmam a Aliança com Deus.

 

Com tantos detalhes ou passagens, o Livro de Josué – Nós serviremos ao Senhor pode parecer uma leitura difícil. No entanto, o livro é acessível, e os aspectos técnicos, empregados quando necessário, são devidamente explicados nas notas de rodapé. Nosso desejo, conforme afirma a organizadora da obra, é que todos possam estudar esse livro pouco conhecido, mas atual, pois traz questões pertinentes para nossa realidade, como: a problemática da distribuição da terra; a terra como dom, e não como um objeto a ser explorado; a importância de escolher bem nossas liderança e representantes, responsabilidade coletiva; e o perceber a presença amorosa de Deus, que perpassa a história bíblica e também nossa vida, nossa história.

 

 

Ir. Zuleica Silvano, fsp