Reconhecer - O reconhecimento diz
respeito antes de tudo aos efeitos que os acontecimentos da minha vida, as
pessoas com as quais me encontro, as palavras que ouço ou que leio produzem na
minha interioridade: uma variedade de “desejos, sentimentos, emoções” (Amoris
laetitia, 143) de natureza muito diferente: tristeza, obscuridade, plenitude,
medo, alegria, paz, sensação de vazio, ternura, raiva, esperança, tibieza, etc.
Sinto-me atraído ou impelido numa pluralidade de direções, sem que nenhuma
delas me pareça como aquela que claramente devo tomar; é o momento dos altos e
baixos, e em certos casos de uma autêntica luta interior. Reconhecer requer que
se traga à tona esta riqueza emocional e que se mencionem estas paixões, mas
sem as julgar. Exige também que se sinta o “gosto” que elas deixam, ou seja, a
consonância ou dissonância entre o que eu experimento e aquilo que existe de
mais profundo em mim. Nesta fase a Palavra de Deus reveste uma grande
importância: com efeito, meditá-la põe em movimento as paixões, assim como
todas as experiências de contato com a própria interioridade, mas ao mesmo
tempo oferece uma possibilidade de as fazer sobressair, identificando-se nas
vicissitudes que ela narra. A fase do reconhecimento coloca no centro a
capacidade de escuta e a afetividade da pessoa, sem se subtrair por medo ao
cansaço do silêncio. Trata-se de uma passagem fundamental no percurso de
amadurecimento pessoal, de maneira particular para os jovens que experimentam
com maior intensidade o vigor dos desejos e podem sentir-se também assustados
diante deles, talvez renunciando aos grandes passos para os quais contudo se
sentem impelidos.
Interpret@r - Não é suficiente
reconhecer aquilo que nós experimentamos: é necessário “interpretá-lo” ou, em
outras palavras, compreender para o que o Espírito nos chama através daquilo
que suscita em cada um. Muitas vezes detemo-nos a narrar uma experiência,
ressaltando que “ficamos deveras impressionados”. Mais difícil é compreender a
origem e o significado dos desejos e das emoções sentidas e avaliar se eles nos
orientam numa direção construtiva ou, pelo contrário, se nos levam a fechar-nos
em nós mesmos.
Esta fase de interpretação é
muito delicada; exige paciência, vigilância e também uma certa aprendizagem.
Devemos ter a capacidade de estar cientes dos efeitos dos condicionamentos
sociais e psicológicos. Isto requer que se ponham em campo também as próprias
faculdades intelectuais, contudo sem cair no risco de construir teorias
abstratas sobre aquilo que seria bom ou bonito fazer: até no discernimento, “a
realidade é superior à ideia” (Evangelii gaudium, 231). Na interpretação, não
podemos nem sequer descuidar do confronto com a realidade e a consideração das
possibilidades que objetivamente temos à disposição.
Para interpretar os desejos e os
impulsos interiores é necessário confrontar-se honestamente, à luz da Palavra
de Deus, também com as exigências morais da vida cristã, procurando inseri-las
sempre na situação concreta de vida. Este esforço impele quem o envida a não se
contentar com a lógica legalista do mínimo indispensável, procurando ao contrário
o modo de valorizar da melhor maneira os dons pessoais e as próprias
possibilidades: por isso, trata-se de uma proposta atraente e estimulante para
os jovens.
Este trabalho de interpretação
realiza-se num diálogo interior com o Senhor, com a ativação de todas as
capacidades da pessoa; no entanto, a ajuda de um especialista na escuta do
Espírito constitui um apoio inestimável, que a Igreja oferece e do qual é pouco
prudente não lançar mão.
Escolher - Uma vez reconhecido e
interpretado o mundo dos desejos e das paixões, o ato de decidir torna-se
exercício de autêntica liberdade humana e de responsabilidade pessoal,
obviamente sempre situadas e portanto limitadas. Por conseguinte, a escolha
subtrai-se à força cega dos instintos, aos quais um certo relativismo
contemporâneo acaba por atribuir o papel de critério último, aprisionando a
pessoa na volubilidade. Ao mesmo tempo, liberta-se da sujeição a instâncias
externas à pessoa e, portanto, heterónomas, exigindo igualmente uma coerência
de vida. [...] A decisão deve ser posta à prova dos acontecimentos, tendo em
vista a sua confirmação. A escolha não pode permanecer prisioneira numa
interioridade que corre o risco de permanecer virtual ou irrealista – trata-se
de um perigo acentuado na cultura contemporânea – mas é chamada a traduzir-se
em ação, a encarnar, a dar início a um percurso, aceitando o risco de se
confrontar com aquela realidade que tinha posto em movimento desejos e emoções.
Nesta fase surgirão outros ainda: reconhecê-los e interpretá-los permitirá
confirmar a bondade da decisão tomada ou aconselhará a revê-la. Por isso, é
importante “sair” também do medo de errar que, como vimos, pode tornar-se
paralisante.
Ir. Mery Elizabeth de Sousa, fsp
Ir. Mery Elizabeth de Sousa, fsp
Fonte:
DOCUMENTO PREPARATÓRIO - SÍNODO DOS BISPOS 2018 - XV ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA
- Os jovens, a fé e o discernimento vocacional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário abaixo e não esqueça de colocar seu nome. Obrigada!