4 de Agosto, dia do padre. As lembranças que tenho de tal figura, as
mais remotas, são ainda da minha infância. Eu ficava na janela, o Padre passava
e nós, crianças, pedíamos a bênção. Assim aprendi com meus pais, e lá na minha
terra a gente pede a “bençã” e beija a mão, viu? Não só do Padre, mas de todo
mundo a quem se deve.
Mas, a minha intenção ao contar essa simples história é testemunhar o
que acontece na vida de um ser humano quando, ao seu redor, este tem um
sacerdote que ama sua vocação e seu povo, a quem foi enviado.
Todas as pessoas, ou quase todas as pessoas que me conhecem sabem que
sou de uma família muito simples. Minha mãe começou a trabalhar na Paróquia
Nossa Senhora da Glória, em Manaus, como zeladora, no ano em que nasci, já faz
28 anos. Isso fez com que eu perdesse a conta de quantas vezes saí da escola
direto para a igreja, para limpar os bancos, o chão, as janelas... Cresci
literalmente dentro da igreja, aquele espaço físico era (é) como se fosse minha
casa, ir lá quase todos os dias dava um ar de responsabilidade, um sentido de
pertença.
Quem é de Paróquia sabe, toda vez que se muda um sacerdote, é um
processo, às vezes dói. Quando o padre é querido pela comunidade é mais difícil
fazer tal processo de passagem de um que vai, para outro que vem.
Enfim, lembro-me quando chegou à Paróquia um sacerdote Polonês,
Stanislaw é seu nome, um Padre Religioso, Palotino. Eu era criança, pouco
entendia porque minha mãe chorava ao se despedir do Pároco “antigo”... Mas
sabia que devia ter saudade nos motivos que envolviam suas lágrimas.
Stanislaw veio, e não demorou muito para que, recém-chegado, adentrasse
como água a minha realidade familiar... Acredito que desde que nos conheceu
sabia que, na nossa pobreza, éramos felizes, mas ainda assim se fez um conosco
e, sei, não era uma exclusividade nossa tal proximidade. Stanislaw com seu
jeito polonês de ser era um santo no meio do povo. Com seu estilo próprio, sem
batina, sem luxo, de camisa e sandálias... Pisou o chão e tocou as águas da
Amazônia que agora era sua.
Quando ele chegou à comunidade eu e minha irmã mais nova não éramos nem
batizadas. Meus pais há anos eram casados somente no civil. Morávamos num dos
lugares mais perigosos da cidade, no Beco Normando (Bairro de São Raimundo),
nossa Nazaré, pode-se assim dizer, afinal “poderia vir alguma coisa boa de
lá?”. Sim, poderia... Mas essa história conto depois.
Tínhamos o que comer, vestir e uma casa pobre e simples... Pra nós já
estava de bom tamanho. Poderíamos ter continuado ali, daquele jeito, vivendo cada
dia como já estávamos acostumados... Mas não, as coisas mudaram porque um padre
diferente chegou. Este ficou ali por uns 18 anos, e digo a vocês, foram os 18
anos onde aprendi o que significa abraçar com amor uma vocação.
Fui batizada por ele aos dez anos, minha irmã Janine, aos seis. Meus
pais depois de 25 anos tiveram uma casamento religioso com direito a festa e
tudo. Se tivemos alguém presente em nossas vidas foi aquele homem tão
trabalhador e dedicado, que acabou me influenciando de alguma forma, pois, me
mostrava com a vida, que com o povo não se brinca, mas se dá força e coragem
para que sejam capazes de lutar por uma vida digna. E foi assim que fez
conosco. Dava conselhos, motivava, chamava atenção e nos dizia que não podíamos
nos contentar em viver a vida esperando as coisas caírem do céu. Fez de nós
pessoas capazes de lutar.
Com ele aprendi a celebrar o Natal na rua, a partilhar a ceia com quem
não tem nada para comer naquela noite. Aprendi que se pode ser generoso sem ser
boba ou ingênua... Foi por causa dele e suas motivações que conseguimos mudar
de casa, construir a nossa. Passando por muitas dificuldades, de todos os
tipos... Mas ele sempre ali, como um verdadeiro pastor.
Pouco conversávamos quando eu era adolescente, mas nunca esqueço de um
Natal, depois de passar o dia inteiro limpando a igreja com minha mãe e deixar
tudo proto para a missa da noite, ele me presenteou com um discman (gente, um
discman!), e disse: “Te dou de presente, mas não vá se vangloriar!”. Não tenho
mais o discman (risos), mas trago aquelas palavras comigo até hoje...
Aquele Padre nunca falou abertamente sobre vocação comigo, nunca me
forçou a procurar a Vida Religiosa Consagrada, nada disse diretamente a mim,
mas nos dia em que lhe pedi uma carta de recomendação pra ir para o convento,
vi brilho nos seus olhos... Vi sua alegria, vi que estava feliz comigo. E só
depois de quase sete anos tive o prazer de saber o que ele havia escrito: “Essa
menina é o braço direito da mãe. É dedicada. Tem vocação!”.
Quando voltei à minha cidade pela primeira vez, depois de ter saído de
lá, fui à missa de Ano Novo, exatamente à meia-noite. Haviam-me pedido para
recitar o Salmo, subi para o lugar reservado aos leitores... e lá, ao fim da
missa, ele me disse: “Te vi crescer, Gizele. Saíste daqui uma menina...”
Emocionado, se virou e saiu. Senti que me queria bem e rezava por mim, mas
senti mais ainda que eu saía e um amigo ficava com os meus, por isso não
precisaria me preocupar.
No mais, um padre quando ama a própria vocação faz tudo como Jesus
faria. Ama sem ser recompensado. Ama porque se sente feliz. Ama porque tem no
coração os mesmos sentimentos do Filho. E, para com o povo, age como Jesus
agiria, claro, com seus limites, mas sem nunca esquecer que está onde está para
servir, e não para ser servido. Vive em sua vida um verdadeiro “lava-pés”.
Por isso sou grata, Padre Stanislaw. Nunca lhe disse isso olhando nos
olhos, mas um dia, direi.
Ir. Gizele Barbosa, fsp
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe seu comentário abaixo e não esqueça de colocar seu nome. Obrigada!